Da Importância dos Jardineiros

“O que é mais importante? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde, haverá um jardim. Um jardim sem jardineiro, logo desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”
Rubem Alves

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Da favela à Esplanada

Com sua trajetória, o atual secretário nacional da Reforma do Judiciário nos dá uma verdadeira lição de vida. Acompanhem o depoimento de Marivaldo de Castro Pereira à Folha:

MINHA HISTÓRIA Marivaldo de Castro Pereira, 31 anos
(…) Depoimento a Uirá Machado

Às vezes, voltando da escola com os colegas, eu encontrava meu pai caído no caminho de casa, bêbado. Isso dava muita vergonha.
Meu pai tinha problema com álcool, batia na minha mãe. Ele torrava tudo com bebida e não deixava minha mãe trabalhar. Às vezes a gente tinha que pegar resto de comida no fim da feira.

Tudo isso aconteceu já em São Paulo, mas eu nasci em Brasília. Meus pais são de uma cidade chamada Correntina, no interior da Bahia.
Eles vieram para Brasília em 1977 em busca de emprego, e eu nasci dois anos depois. Meu pai começou a trabalhar como pedreiro. Quando tiveram o quarto filho, a vida ficou difícil, então eles decidiram tentar São Paulo. Eu tinha quatro anos.

Meu pai conseguiu um barraco num terreno em Pirituba [periferia de São Paulo]. Era um barraco mesmo, de madeira, precário. Eu só fui morar numa casa de alvenaria depois que meus pais se separaram e me mudei com a minha mãe para o Jaraguá [também na periferia de SP].

Eu tinha oito anos. Minha mãe começou a trabalhar de diarista para sustentar os quatro filhos. Ela sempre foi trabalhadora e colocava a gente em primeiro lugar.
TRABALHO
Comecei a trabalhar com nove anos, na feira. Foi um período bacana, porque eu tinha autonomia para comprar alguma coisinha.

Eu trabalhava e estudava. Minha mãe nunca admitiu que a gente não estudasse. Todos os meus irmãos conseguiram concluir o ensino superior. Minha mãe é bem orgulhosa — ela só completou ensino básico e médio quando eu já estava na faculdade.
Como eu estudava em escola pública, não tinha perspectiva de entrar em uma universidade. Tinha professor que dizia: “Vai tentar a USP? Esquece, compra um jeans que é mais vantajoso”.

Antes da faculdade, trabalhei numa fábrica de acendedor de fogão, depois como ajudante de pedreiro, como contínuo em uma farmácia, como “boy” interno numa concessionária de veículos.
Foi na concessionária que ouvi falar do Cursinho da Poli [pré-vestibular voltado para alunos carentes]. Trabalhava das 8h à 18h e depois ia para o cursinho. No segundo semestre de 1997, comecei a trabalhar das 6h às 15h. Chegava mais cedo na aula e cochilava um pouco.

Quando veio o vestibular, tomei uma porrada. Não passei, fiquei muito mal. O que me ajudou foi o rap, sobretudo os Racionais MC’s. A música que mais me marcou foi “Negro limitado”.
Para levantar a cabeça, ouvi rap e prometi não dormir mais antes da aula. Eu acordava às 5h30, trabalhava das 6h às 15h, estudava e chegava em casa depois da meia-noite. Foi assim o ano inteiro, mas valeu a pena.

UNIVERSIDADE
Entrar na USP mudou minha vida. Ninguém imagina o que é entrar na universidade pública quando você vem da periferia. É um outro mundo, muitas portas se abrem.
A escolha pelo direito eu fiz no cursinho. Estava em dúvida, porque gostava muito de engenharia mecânica, mas a militância política direcionou minha opção.

Busquei o direito porque achava que poderia ajudar a transformar a sociedade.
Na faculdade, eu me sentia um estranho no ninho, eu tinha preconceito e também sofria preconceito, mas aos poucos fui me enturmando.
A minha turma quis se dar um nome. A gente formou o “100% Favela”, com camiseta e tudo. Não eram todos da favela, só alguns, mas aquilo era legal, era uma provocação para a galera mais esnobe da faculdade. Minha ideia era politizar todo mundo.

Na vida acadêmica, me envolvi com política estudantil e trabalhei assessorando movimento de moradia. Trabalhei com José Eduardo Cardozo, que era vereador [pelo PT] naquela época [agora escolhido para ser ministro da Justiça no governo Dilma].
Ao sair da faculdade, tentei advogar, mas foi um desastre. Eu só advogava para gente pobre e acabava pagando para trabalhar.

Em 2005, voltei para Brasília, onde tudo começou. Quem me chamou foi o Pierpaolo [Bottini], quando virou secretário da Reforma do Judiciário. A gente se conheceu na faculdade, atuando no movimento de moradia.
Assumi o Departamento de Política Judiciária, depois a sub-chefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e, agora, a Secretaria Nacional da Reforma o Judiciário.

O grande objetivo é aproveitar a experiência que eu tive na Casa Civil e aproximar a política de acesso à Justiça das demais políticas sociais.
A minha história me permite entender o sofrimento das pessoas com pouco dinheiro e compreender que toda política pública precisa levar os mais pobres em consideração. A vida de quem está na pobreza é muito difícil. Quem nasceu com dinheiro nem imagina quanto é difícil.

Nenhum comentário: