Da Importância dos Jardineiros

“O que é mais importante? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde, haverá um jardim. Um jardim sem jardineiro, logo desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”
Rubem Alves

terça-feira, 28 de junho de 2011

É de deixar o coração e a alma leves e devolver a crença na Justiça

Juiz nega Justiça Gratuita para garoto, mas desembargador reverte a decisão


Decisão do desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado
contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os
benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que
morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma
ação de indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um
salário mínimo mais danos morais decorrentes do falecimento do pai.
Por não ter condições financeiras para pagar custas do processo o menor
pediu a gratuidade prevista na Lei 1060/50. O Juiz, no entanto,
negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado prova de pobreza e,
também, por estar representado no processo por “advogado particular”.
A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do
voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser
comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.
Integra do voto, disponível no TJ sp:
“É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro – ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. 
Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar. Fez caber a mim, com efeito,
filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna.
Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai – por Deus ainda vivente e
trabalhador – legada, olha-me agora.  É uma plaina manual feita por ele
em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. 
É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro – que nem existe mais – num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.
Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri
a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos.
São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José,
pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé
do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é
sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no
Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome
habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir
pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo,
para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o
que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez,
nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de
marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de
riqueza do cliente; antes e ao revés a nele divisar um gesto de pureza
do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei
quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como
me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas balas de coco,
verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível
prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente
os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos
preconceitos…
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade,
em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem
quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora
com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto.
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON – "Relator Sorteado”


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