Da Importância dos Jardineiros

“O que é mais importante? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde, haverá um jardim. Um jardim sem jardineiro, logo desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”
Rubem Alves

sábado, 30 de abril de 2011

Quando a justiça manda a leis às favas

O juiz de uma cidade do interior paulista decidiu que se vereadores e cidadãos desejarem fiscalizar as contas municipais, terão que fazê-lo na sede da prefeitura, em dia e horário previamente agendados. Mandou a independência e a separação dos poderes para o beleléu. De uma só tacada também foi para a cucuia o princípio constitucional da transparência. Seria interessante se a sua decisão valesse também para o Poder Judiciário. Juiz que quiser ter acesso a documento de prefeitura, que vá até a prefeitura examiná-lo in loco. A decisão, na prática, revoga o artigo 49 da Lei de Responsabilidade Fiscal que, por sua vez, regulamentou o art. 31, § 3º da Constituição Federal.


Segundo o artigo 31, § 3º, da Constituição Federal, as contas do Município ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade, nos termos da lei.


Vereador também é cidadão, não podemos nos esquecer disso. Já o artigo 49 da LRF diz que as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. Ou seja, em dois lugares distintos. A lei não possui palavras inúteis ou desnecessárias.


Demonstrando total desconhecimento do que realmente acontece no interior das prefeituras do Brasil, o Juiz de Direito Daniel Felipe Scherer Borborema, que atua no Foro Distrital de Itirapina, Comarca de Rio Claro, com jurisdição sobre o município de Analândia, decidiu que a Câmara de Vereadores de Analândia não tem direito à cópia de todos os comprovantes de despesas e receitas da prefeitura.


Se o legislador quisesse que os cidadãos, instituições representativas da sociedade e os vereadores tivessem acesso a tais documentos apenas no interior das prefeituras, certamente não teria mencionado no artigo 49 da LRF em dois locais específicos: 1º) no respectivo Poder Legislativo e 2º) no órgão técnico responsável pela sua elaboração (leia-se setor de contabilidade).


A decisão foi prolatada em um Mandado de Segurança através do qual a Câmara Municipal pretendia que a Prefeitura de Analândia fosse compelida a enviar-lhe a documentação. O Juiz cedeu ao argumento da Prefeitura de Analândia de que não dispõe de pessoal, tempo e estrutura suficientes para o atendimento da solicitação da Câmara de Vereadores.


Com o mais elevado respeito que merece todo Magistrado, talvez desconheça o Juiz deste caso que um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas, em 2006, indicou que anualmente cerca de R$ 10 bilhões escoam dos cofres públicos pelo ralo da corrupção. Expressiva parte dessa corrupção está nas prefeituras brasileiras. Não é diferente em Analândia.


Talvez desconheça também que a Prefeitura de Analândia tem quase 500 funcionários para tocar uma cidade de pouco mais de quatro mil habitantes. É um cabidão de emprego horroso. Só para se ter uma ideia, a menos de 80 quilômetros de Analândia, com 340 funcionários, entre efetivos e temporários, mais 18 ocupando cargos de confiança e comissionados, a Prefeitura de Ribeirão Bonito consegue tocar uma cidade de mais de 12 mil habitantes.


O Juiz deve desconhecer ainda que, enquanto o salário do prefeito de Analândia gira em torno de R$ 8,5 mil, o do prefeito de Ribeirão Bonito não passa de R$ 6,7 mil. Onde está, então, a falta de recursos e pessoal? Como cair nessa conversa de que não há recurso nem pessoal para tirar fotocópia da documentação? O exame da prestação de contas de um município não leva menos de 30 dias. Ora, não é mais caro deixar um ou dois funcionários durante um mês vigiando quem examina os documentos, do que tirar fotocopia dos mesmos?


Certamente o Juiz desconhece que quatro ou cinco vereadores de Analândia são funcionários da Prefeitura. Assim, não têm tempo e muito menos interesse em ir até lá para fazer qualquer fiscalização. São vereadores nas horas de folga apenas. Desconhece também as ameaças e intimidações que são feitas a qualquer cidadão comum que se aventure em ingressar na Prefeitura de Analândia, como de resto em qualquer prefeitura do Brasil, para realizar qualquer tipo de fiscalização.


Em Analandia colocam a pessoa numa sala minúscula, quase sem ventilação, geralmente com dois brutamontes que ficam o tempo todo atrás do cidadão, olhando-o sobre os ombros e soltando baforadas de fumaça de cigarro nas suas costas. Tudo no intuito de incomodá-lo e desestimulá-lo. Ninguém duvida que o assassinato do ex-vereador Evaldo José Nalin foi um recado claro dirigido a qualquer um que queira fiscalizar as contas públicas de Analândia.


Pergunta-se ao digno Magistrado: Sem acesso aos documentos, em local livre de pressão de todo tipo, ameaças e intimidações, como os cidadãos terão a possibilidade de descobrir novas notas fiscais de shows como o de Gera Samba, nunca ocorrido? Ou o fornecimento de carne para a merenda escolar por uma papelaria? A existência de funcionários fantasmas? Isso, só para citar alguns exemplos.


Quando o magistrado dá dinheiro para sua empregada fazer as compras do mês, exige-lhe a nota fiscal e o troco (prestação de contas) quando ela retorna do supermercado, ou a empregada diz a ele que, se quiser, vá verificar a prestação de contas lá na cozinha? O fato é que as contas públicas em Analândia não resistem a trinta minutos de fiscalização séria e competente. Todos sabem que a fiscalização realizada pela maioria dos Tribunais de Contas, com raríssimas exceções, é uma fiscalização de faz de conta, baseada meramente em índices percentuais de aplicação de recursos. Tanto é verdade que, se fiscalizadas com profundidade e seriedade, jamais as contas da Prefeitura de Analândia receberiam parecer do TCESP favorável à sua aprovação.


É por isso que ninguém mais duvida que se o Brasil chegou a esse estado de putrefação na administração do dinheiro público, a culpa é em sua grande parte do Poder Judiciário. Porque é o Judiciário que, com decisões desse quilate, alimenta a sensação de impunidade.Veja que, se um advogado não presta contas a seu cliente, o Judiciário o obriga a fazê-lo detalhadamente, em caso de uma ação de prestação de contas. Todavia, um prefeito que movimenta milhões de reais não é obrigado a fazer o mesmo.


Com o mais elevado respeito ao digno Dr. Daniel Felipe Scherer Borborema, devo dizer que a sua decisão é um retrocesso enorme para o exercício do controle social e da democracia participativa no Brasil. E faço um convite para que ele nos acompanhe, juntamente com um grupo de cidadãos, para uma fiscalização do tipo que sugere seja feita, para que volte à realidade e, principalmente, a ter os pés no chão. Veja abaixo, cópia do despacho.


Fábio Oliva - Jornalista Investigativo
Fonte: Blog Unidos por Analândia


Disponibilização: Quinta-feira, 28 de Abril de 2011 Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III São Paulo, Ano IV - Edição 941 219

283.01.2010.006186-0/000000-000 - nº ordem 735/2010 - Mandado de Segurança - CÂMARA MUNICIPAL DE ANALÂNDIA
X PREFEITO MUNICIPAL DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE ANALÂNDIA - Sentença nº 394/2011 registrada em 26/04/2011 no livro
nº 80 às Fls. 167/169: Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA. Sem condenação em honorários. - ADV ADRIANA PADOVANI
MINHOLO DOS SANTOS OAB/SP 143620 - ADV ANA ALEXANDRINA B DE OLIVEIRA OAB/SP 82271 - ADV LIDIA MARIA
COELHO OAB/SP 157412 - ADV CATIA GOMES CARMONA CANTERA OAB/SP 252773


Fórum de Itirapina - Processo nº: 283.01.2010.006186-0
parte(s) do processo local físico andamentos súmulas e sentenças

Processo
CÍVEL
Comarca/Fórum
Fórum de Itirapina
Processo Nº
283.01.2010.006186-0
Cartório/Vara
Vara Única
Competência
Cível
Nº de Ordem/Controle
735/2010
Grupo
Cível
Ação
Mandado de Segurança
Tipo de Distribuição
Livre
Distribuído em
28/09/2010 às 18h 28m 57s
Moeda
Real
Valor da Causa
1.000,00
Qtde. Autor(s)
1
Qtde. Réu(s)
1
PARTE(S) DO PROCESSO
[Topo]

Impetrante
CÂMARA MUNICIPAL DE ANALÂNDIA Advogado: 143620/SP ADRIANA PADOVANI MINHOLO DOS SANTOS
Impetrado
PREFEITO MUNICIPAL DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE ANALÂNDIA Advogado: 82271/SP ANA ALEXANDRINA B DE OLIVEIRAAdvogado: 157412/SP LIDIA MARIA COELHOAdvogado: 252773/SP CATIA GOMES CARMONA CANTERA
LOCAL FÍSICO
[Topo]

27/04/2011
Imprensa
ANDAMENTO(S) DO PROCESSO
[Topo]

(Existem 18 andamentos cadastrados.) (Serão exibidos os últimos 10.)(Para a lista completa, clique aqui.)
18/04/2011
Sentença ProferidaSentença nº 394/2011 registrada em 26/04/2011 no livro nº 80 às Fls. 167/169: Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA. Sem condenação em honorários.
14/04/2011
Conclusos
09/03/2011
Aguardando Manifestação do M.P.Aguardando Manifestação do Ministério Público - M.P.
02/03/2011
Aguardando Manifestação do Autor
21/02/2011
Aguardando Prazo
03/02/2011
Aguardando Prazo
18/01/2011
Aguardando Prazo
27/12/2010
Despacho ProferidoPara se evitar qualquer alegação de nulidade, dê-se vista ao autor. Com ou sem manifestação, tornem ao Ministério Público para seu parecer final. Int. e C.
23/12/2010
Conclusos
15/12/2010
Juntada de Informações Prestadas em 15/12/10
Texto integral da Sentença

AUTOS Nº 6186-0-10 Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Câmara Municipal de Analandia contra o Prefeito Municipal de Analandia, em que se pleiteia ordem judicial para que a autoridade indicada como coatora forneça à impetrante cópias de documentos relativos à receita e despesa das Contas Municipais concernentes ao Exercício de 2008.


O Prefeito Municipal prestou informações (fls. 29/36) em que alega (i) ausência de interesse processual pois as Contas Municipais de 2008 foram regularmente prestadas (ii) no mérito: que notas fiscais, notas de empenho, recibos, ordem de pagamento, termo de recebimento de obras e produtos, entre outros, não são documentos que devem acompanhar as contas encaminhadas pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo; deixou à disposição de qualquer interessada fazer visitas in loco de todos os documentos, mediante prévio agendamento junto ao setor, uma vez ser impossível a providência solicitada, seja pela estrutura física seja pelo volume de documentos gerados diariamente.


O Ministério Público manifestou-se (fls. 71/77) pela extinção do processo sem resolução do mérito, diante da perda do objeto. É o relatório. Decido.





Inocorreu perda do objeto, ao contrário do que alega o Ministério Público, pois que a impetrante não pretende apenas o recebimento da Prestação de Contas do Exercício de 2008: objetiva que o Poder Executivo remeta à Câmara Municipal cópias de “todos os documentos comprobatórios das despesas realizadas” ao longo de 2008, tal como requerera o Vereador Rodrigo Balerini (fls. 16), por intermédio do Presidente da Câmara Municipal (fls. 17), requerimento este negado pelo Prefeito Municipal (fls. 18) com base em parecer do técnico de contabilidade (fls. 19).


Verificamos que a Prefeitura Municipal rejeitou o requerimento alegando que o cumprimento é inviável, não dispondo de pessoal, tempo e estrutura suficientes para atendimento. Pois bem. O art. 31, caput, da CF prevê que “a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo ...”, sendo que o § 1º preceitua que “o controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver”. É de se salientar que o Poder Legislativo municipal, a par de sua função criadora da legislação, possui ainda a atribuição sumamente relevante de fiscalizar e exercer o controle externo da Administração Pública no cumprimento das leis, sendo que, como sublinhado pelo próprio § 1º do art. 31 da CF, tal função é primordialmente outorgada ao Poder Legislativo, que apenas é auxiliado pelos Tribunais de Contas no desempenho de tal mister.


Todavia, a questão primordial está em verificar se, com base em tal mister fiscalizador, possui a Câmara Municipal o direito líquido e certo de exigir do Poder Executivo que este último, utilizando seus recursos materiais e humanos, extraia cópia de absolutamente todos os documentos pertinentes às despesas de todo um ano fiscal, encaminhando-os ao Poder Legislativo. A respeito, a resposta há que ser negativa. Inegável que é desarrazoado e desproporcional exigir que o Poder Executivo mobilize pessoal e recursos materiais para extrair cópias de todos os documentos mencionados na inicial.


Imagine-se a farta documentação correspondente a todas as despesas do Município de Analândia ao longo do ano de 2008. A exigência efetuada pela Câmara Municipal apresenta-se excessiva e desproporcional. É justificado, de fato, o argumento apresentado pela Prefeitura de Analândia de que não dispõe de meios para o cumprimento da solicitação. Para tal genérica e extremamente ampla fiscalização (concernente a todas as despesas que o Poder Executivo teve em 2008), há que se pensar em uma alternativa mais viável, nesse sentido a oferta efetuada pela própria Prefeitura Municipal, às fls. 19, é bastante razoável: mediante prévio agendamento, a Câmara Municipal efetua verificação in loco da documentação. A Jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem, com efeito, distinguindo pleitos genéricos como o ora apresentado de pretensões específicas, de encaminhamento de cópias concernentes a concretos e particularizados atos e contratos firmados pelo Poder Executivo.


Nesse sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA - Recusa de Prefeito Municipal no fornecimento de informações e cópias de documentos solicitados pela Câmara Municipal - Inexistência de ilegalidade na recusa de atendimento de requerimentos apresentados de forma vaga e genérica, além de não guardarem nenhum relação entre si, o que caracteriza devassa no Executivo - Inadmissibilidade de recusa de atendimento de requerimentos com especificação de casos concretos e de atos sujeitos à fiscalização da Câmara Municipal - Ordem concedida, em parte - Recursos providos, em parte.” (Ap. 9221602-42.2002.8.26.0000, Rel. Rebello Pinho, 12ª Câmara de Direito Público, r. 29/05/2007) Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA. Sem condenação em honorários. Itirapina, 18 de abril de 2011. Daniel Felipe Scherer Borborema Juiz de Direito

Nenhum comentário: