Em um canto de superquadra da Asa Norte de Brasília, existe uma pizzaria que tinha tudo para ser mais uma na multidão de estabelecimentos comerciais. Modesta, espremida entre um restaurante por quilo e uma loja de nutrição esportiva, fica a cerca de 500 metros do campus da Universidade de Brasília (UnB) – mais adiante, aliás, um bar é conhecido pela aglomeração dos universitários, clientes potenciais à procura de uma boa calabresa.
Mas voltemos à pizzaria, cercada pelo ambiente acadêmico de uma das principais universidades do país – atmosfera que o ex-senador Darcy Ribeiro (1922-1997) tão bem conhecia. O saudoso antropólogo só não poderia imaginar que, ali tão próximo ao palco de históricos levantes de insurreição contra a ditadura, seria aberta uma pizzaria com um slogan que, embora clichê, tão bem representa o espírito de indignação do brasileiro com a política: “Aqui tudo acaba em pizza”.
“Com certeza tem muita gente que não tem amor pelo que faz lá. Esses devem achar o nome engraçado, porque não se importam com o Senado. Mas a carapuça serve para quem acha ruim”
Moysés Lacerda, sócio da pizzaria
Nos chamados “anos de chumbo” da ditadura, quando Brasília vivia seus primeiros anos de capital e a UnB se tornou foco de resistência do livre pensar, Darcy Ribeiro sequer poderia pensar em comer a iguaria num lugar chamado Senado Pizzaria. “Eu já estaria preso”, diz o estudante de engenharia de redes da UnB Moysés Lacerda, 24 anos, um dos donos do estabelecimento em cujo cardápio a pizza de muçarela é corretamente grafada com cedilha. “Perguntam pra gente: ‘vocês são burrão?’”, diverte-se o microempresário.
No entardecer da última quinta-feira (5), o Congresso em Foco quis conhecer um pouco mais daquele pedaço da quadra 408 Norte que fica muito próximo à Colina, lar de professores da UnB onde nomes como Renato Russo (Legião Urbana) e Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) agitavam a cena política e cultural brasiliense. Ao sabor de uma portuguesa brotinho (paga pelo repórter, que fique claro), a reportagem verificou que na recém-nascida Pizzaria Senado, com seus quatro meses de funcionamento, a liberdade dos clientes-estudantes em nada lembra o engajamento em épocas do militarismo.
Os alunos gostaram no do nome do estabelecimento. “Eu achei massa”, disse à reportagem o estudante de administração Cláudio Monteiro, 23 anos, nascido em Cabo Verde. Mas nem todo mundo gosta da brincadeira, relatou o universitário, há três anos e meio morando em Brasília. “Meu amigo trabalha no Senado e não gostou. Achou o nome polêmico, que suja o nome do Senado”, declarou Cláudio, dizendo sentir-se impedido de opinar sobre o Parlamento de outro país. Diplomático, ele diz que “não fica bem”, mas arriscou uma ironia ao falar do Senado. “A Casa é boa, não é?”
Já a enfermeira e cliente da pizzaria Lady Silva Nascimento, também com 23 anos, deixa a diplomacia de lado ao falar dos senadores. “Tem que fazer uma faxina lá. Eles têm que vir aqui conhecer a pizzaria, para eles saberem o que é trabalho de verdade.”
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