Da Importância dos Jardineiros

“O que é mais importante? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde, haverá um jardim. Um jardim sem jardineiro, logo desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim são os pensamentos do jardineiro.
O que faz um povo são os pensamentos daqueles que o compõem”
Rubem Alves

domingo, 8 de agosto de 2010

Onde tudo acaba em pizza

Em um canto de superquadra da Asa Norte de Brasília, existe uma pizzaria que tinha tudo para ser mais uma na multidão de estabelecimentos comerciais. Modesta, espremida entre um restaurante por quilo e uma loja de nutrição esportiva, fica a cerca de 500 metros do campus da Universidade de Brasília (UnB) – mais adiante, aliás, um bar é conhecido pela aglomeração dos universitários, clientes potenciais à procura de uma boa calabresa.

Mas voltemos à pizzaria, cercada pelo ambiente acadêmico de uma das principais universidades do país – atmosfera que o ex-senador Darcy Ribeiro (1922-1997) tão bem conhecia. O saudoso antropólogo só não poderia imaginar que, ali tão próximo ao palco de históricos levantes de insurreição contra a ditadura, seria aberta uma pizzaria com um slogan que, embora clichê, tão bem representa o espírito de indignação do brasileiro com a política: “Aqui tudo acaba em pizza”.

“Com certeza tem muita gente que não tem amor pelo que faz lá. Esses devem achar o nome engraçado, porque não se importam com o Senado. Mas a carapuça serve para quem acha ruim”
Moysés Lacerda, sócio da pizzaria
Nos chamados “anos de chumbo” da ditadura, quando Brasília vivia seus primeiros anos de capital e a UnB se tornou foco de resistência do livre pensar, Darcy Ribeiro sequer poderia pensar em comer a iguaria num lugar chamado Senado Pizzaria. “Eu já estaria preso”, diz o estudante de engenharia de redes da UnB Moysés Lacerda, 24 anos, um dos donos do estabelecimento em cujo cardápio a pizza de muçarela é corretamente grafada com cedilha. “Perguntam pra gente: ‘vocês são burrão?’”, diverte-se o microempresário.

No entardecer da última quinta-feira (5), o Congresso em Foco quis conhecer um pouco mais daquele pedaço da quadra 408 Norte que fica muito próximo à Colina, lar de professores da UnB onde nomes como Renato Russo (Legião Urbana) e Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) agitavam a cena política e cultural brasiliense. Ao sabor de uma portuguesa brotinho (paga pelo repórter, que fique claro), a reportagem verificou que na recém-nascida Pizzaria Senado, com seus quatro meses de funcionamento, a liberdade dos clientes-estudantes em nada lembra o engajamento em épocas do militarismo.

Os alunos gostaram no do nome do estabelecimento. “Eu achei massa”, disse à reportagem o estudante de administração Cláudio Monteiro, 23 anos, nascido em Cabo Verde. Mas nem todo mundo gosta da brincadeira, relatou o universitário, há três anos e meio morando em Brasília. “Meu amigo trabalha no Senado e não gostou. Achou o nome polêmico, que suja o nome do Senado”, declarou Cláudio, dizendo sentir-se impedido de opinar sobre o Parlamento de outro país. Diplomático, ele diz que “não fica bem”, mas arriscou uma ironia ao falar do Senado. “A Casa é boa, não é?”

Já a enfermeira e cliente da pizzaria Lady Silva Nascimento, também com 23 anos, deixa a diplomacia de lado ao falar dos senadores. “Tem que fazer uma faxina lá. Eles têm que vir aqui conhecer a pizzaria, para eles saberem o que é trabalho de verdade.”

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