“Por alguma razão, bela e estranha, os jovens acordaram, se deram conta que estão recebendo um mundo cada vez mais miserável, as calotas polares derretidas, salários de fome, cada vez mais guerras e planos para empurrá-los para a vida já carregando a dívida astronômica do custo da formação universitária que terão de pagar, senão morrer tentando, e rejeitaram todo esse lixo”
Estreando na TV a cabo um filme absolutamente constrangedor, que provoca um profundo desconforto, deixando ao final um travo amargo na boca. É Amor Sem Escalas (Up in the Air) com George Clooney, direção de Jason Reitman. O título em português é prá lá de estúpido e bota idiota nisso, porque não se trata de mais uma comédia romântica, mas de um guia de como terceirizar demissões corporativas em massa, com Clooney no papel de “Anjo Exterminador”, segundo diz seu personagem cinicamente:
“Eu os preparo para o limbo existencial”.
Não estou fazendo exatamente a crítica do filme, mas do processo de “normalização” da dispensa repentina e sem aviso – e sem outra razão que não o “corte de gastos”, naturalmente em nome da nunca por demais esquecida “acumulação primitiva” ou “acumulação por despossessão” – de funcionários que ele introduz, assinala e sublinha como fato inevitável e perfeitamente corriqueiro na vida profissional de qualquer norte-americano (eu ia escrever “de qualquer ser humano”).
Eis a verdadeira mensagem nua e crua: você cai fora porque os acionistas precisam ficar ainda mais ricos. Lembra o título de outro filme: Hoje você morre.Enquanto isso, no mundo real, milhares de servidores públicos unidos a grupos estudantis realizaram protestos sábado (19/2) em frente ao Capitólio do estado norte-americano do Winsconsin, na cidade de Madison. Foi o quinto dia de manifestações contra um projeto de lei apresentado pelo novo governador republicano Scott Walker. O objetivo do projeto é “cortar gastos do orçamento estadual através da supressão de direitos trabalhistas em todo o Estado”. O suposto equilíbrio das contas do Estado ocorreria com a anulação dos convênios coletivos com os funcionários públicos.
O equivalente, no Brasil, à suspensão todos os direitos dos funcionários públicos concursados, por exemplo, do estado de São Paulo.
Entusiasmado com a mobilização dos estudantes, o cineasta Michael Moore (Tiros em Columbine) enviou-lhes uma carta aberta, incentivando-os, cujo texto é um excelente exemplo de contextualização sócio-econômica e política dos jovens norte-americanos no momento atual. Ele elogia os milhares de estudantes das escolas de Wisconsin que saíram das salas de aula e ocuparam o prédio do State Capitol, em Madison, exigindo que o governador pare de assaltar os professores e outros funcionários públicos:
“Vivemos hoje um fantástico momento histórico. Os jovens estão em rebelião!
Os estudantes estão começando a erguer a cabeça, tomar as ruas, organizar-se, protestar e recusar a dar um passo de volta para casa, se não forem ouvidos. “Segundo Moore, o poder constituído estava convencido que havia feito um servicinho perfeito no sentido de manter os jovens calados, entretendo-os com enormes quantidades de bobagens até torná-los impotentes, como um parafuso a mais duma imensa e complexa engrenagem; alimentando-os com quantidades absurdas de propaganda sobre “como o sistema funciona” e tantas mentiras históricas.
Contudo inesperadamente o lixo foi derrotado – não funcionou – porque os jovens estão vendo as coisas como são realmente: “Fizeram o que fizeram, na esperança de que vocês ficassem de bico fechado, entrassem na linha e obedecessem as ordens, sem sacudirem o barco. Porque se agitassem muito, não conseguiriam arranjar um emprego, acabando na rua, um freak a mais.
Disseram que a política é suja e que um homem sozinho jamais faria diferença!”Mas, por alguma razão, bela e estranha, os jovens acordaram, se deram conta que estão recebendo um mundo cada vez mais miserável, as calotas polares derretidas, salários de fome, cada vez mais guerras e planos para empurrá-los para a vida já carregando a dívida astronômica do custo da formação universitária que terão de pagar, senão morrer tentando, e rejeitaram todo esse lixo.
Até porque foram os adultos jovens que elegeram Barack Obama, primeiro atuando como voluntários para obter a indicação dele como candidato, depois indo às urnas em números recordes em novembro de 2008. Michael assinala que o único grupo da população branca dos EUA no qual Obama teve maioria de votos foi o dos jovens entre 18 e 29 anos. A maioria de todos os brancos com mais de 29 anos nos EUA votaram em McCain – e Obama foi eleito, mesmo assim!
Porque há mais eleitores jovens em todos os grupos étnicos – e eles foram às urnas e, contados os votos, viu-se que haviam derrotado os brancos mais velhos assustados, que simplesmente jamais admitiriam ter no Salão Oval alguém chamado Obama. Diversamente que em outros países como Áustria, Brasil, Nicarágua, onde a idade mínima para votar é 16 anos e os jovens desfrutam de mais liberdade, sem contar a França cujos estudantes conseguem parar o país, nos EUA, os jovens são condicionados a obedecer, sentar e deixar os adultos comandarem o show, daí entende-se o entusiasmo de Moore.
Mas as coisas podem e devem mudar – demissões massivas, o espólio dos direitos civís e trabalhistas. Já há indícios de mudança desde o Cairo, Egito, até Madison, Wisconsin, donde muita agitação de permeio. Talvez a próxima geração possa fazer com que filmes como Up in the Air (aliás, indicado a vários Oscars, imaginem o resto da produção cinematográfica!) se reduza a uma sórdida e incompreensível relíquia cultural.
Fonte: Congresso em Foco
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